sábado, 23 de março de 2013

MOTORISTA E ECONOMISTA

* Maria Luzia Villela
O economista era surdo. O longo convívio com Melquíades, seu motorista, nas demoradas e contínuas viagens, havia quebrado as barreiras convencionais entre eles. Melquíades sentia-se à vontade para expor suas opiniões.

- Pois é, doutor! Eu quando fui, pelas primeiras vezes, na Vinte e Cinco de Março, ficava pensando: Meu Deus, esse povão come pelo menos duas vezes por dia! De onde vem comida para todos? Era rua e rua até chegar ao subúrbio! Fora da cidade, eu só via poucas hortas, muitas fábricas e enormes plantações de pínus e de eucalipto e nada de roça! Então fiquei sabendo que o Brasil produzia 80% dos alimentos, mas o que me espantou foi saber que os 20% restantes entravam mais baratos do que os plantados aqui! Então, eu vi que era melhor importar 100% dos alimentos! Como o governo não via, se eu que sou homem simples percebi? O povo poderia comer melhor e mais barato! Porque o governo não faz isso? Devia fazer. Não é mesmo, doutor?

O economista surdo só balançava a cabeça para frente e para trás, em cochilos parecendo aprovação. A esposa dele, que ouvia até tique-taque de relógio de pulso, sentada no banco de trás não se conteve:

- Melquíades, está falando um absurdo! O certo é o governo criar maneiras de estimular a produção, todos países subvencionam sua produção agrícola e gritam para que os outros não façam o mesmo. O negócio é exportar e não importar!

- Dona Lea, a senhora tá por fora! E não é só alimento que é mais barato quando importado. Tudo é mais barato. Tem mais é que se importar tudo! Né mesmo doutor?

Novos balanços surdo-cochilosos de cabeça.

-Tá vendo, dona Lea? Aprendi muito andando com o doutor! Mas tenho também minha cabeça para pensar!

- Melquíades, acho que é desgaste tentar rebater tais absurdos!

- Dona Lea, a senhora me desculpe, mas não é absurdo. Veja se tem cabimento: O nosso petróleo custa oito dólares o barril para ser tirado e levado para a refinaria, por que nossa gasolina e nosso diesel custam tão caro por litro? Imagine, cada três litros de gasolina paga um barril!

- Tem dó, Melquiades! A Petrobrás é empresa e o petróleo dela tem que valer o quanto custa o petróleo no mundo. Se não for assim para que refinar? Melhor vender bruto a sessenta ou setenta ou sabe lá Deus quantos dólares o barril!

- A senhora se engana. Não pode ser assim. Sabe que na Bolívia o litro de gasolina, hoje, está a R$ 1,30? O povo paga pouco pelo combustível! Fala a verdade: Não é melhor que entre aqui por esse preço? Não é melhor importar tudo?

- Bem, vou concordar se você me esclarecer uma coisa: o país que nada produz, nada exporta, onde arranja dinheiro para comprar?

- Ué! Fácil ! O governo emite.

- Brilhante! Melquíades, se o Lula o chamar para ministro da fazenda, aceite. O Brasil estará salvo!

- E não é mesmo, dona Lea? Eu sabia que a senhora era inteligente e ia perceber...

Vejam: taí a salvação do Brasil!

PS: As referências numéricas e o teor das idéias são de responsabilidade total de Melquíades. A ele os créditos. 

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